quarta-feira, 5 de julho de 2017

As quedas de Mossul e Raqqa e os rumos do jihadismo

A origem do jihadismo

Fonte: Correio do Brasil
por Taílson Silva

O que significa jihad? A palavra árabe jihad significa esforço ou luta. Para o Islamismo jihad tem um duplo sentido, pode ser aplicado num sentido bélico, a jihad sendo uma luta contra os inimigos do Islã e considerada como uma ação de legítima defesa contra um ataque violento. Pode ser aplicada no sentido da natureza espiritual, jihad sendo uma luta interior na qual todo muçulmano deve realizar para atingir a plenitude como indivíduo.

Dito isto, podemos aferir que a ação dos grupos jihadistas perpassa por uma interpretação literal e/ou deturpada das escrituras islâmicas, quando aplica de forma unilateral a jihad no sentido bélico. Isto é assim, pois a religião muçulmana leva implícita uma mensagem de paz e harmonia, apesar de alguns grupos extremistas (jihadistas) imprimirem a luta armada e as ações terroristas, ou seja, uma ideia de Guerra Santa. Logo a frente veremos que a ação dos grupos jihadistas está mais ligada aos seus objetivos políticos ou territoriais do que propriamente a salvação do islamismo.

Os primeiros grupos jihadistas apareceram no Egito, na década de 1970 e estes grupos foram imitados por outros países árabes em maior ou menor proporção. Nas décadas de 1970 e 1980, durante a Guerra do Afeganistão, ocorreu um salto na evolução dos grupos jihadistas, uma vez que os soviéticos haviam ocupado o país e alguns muçulmanos consideravam a legitimidade de se defender contra uma potência estrangeira que ocupava um território tradicionalmente muçulmano. O jihadismo também tem “suas versões” estatais, como os governos teocráticos e fundamentalistas da Arábia Saudita e do Irã, fortalecendo-se bastante com a chegada dos aiatolás ao poder no Irã em 1979.

A partir de então surgiram no mundo árabe grupos dispostos a expulsar os invasores, os infiéis e, por fim, todos aqueles que não seguiam as doutrinas do Islã. Em 1988, a Al-Qaeda surgiu com um movimento político-religioso que propunha a extensão da jihad em qualquer território onde os muçulmanos estivessem ameaçados, como a Palestina, a Síria e o Iraque. O jihadismo mais conhecido é o salafista, uma corrente que defende o regresso do verdadeiro Islã, promovendo ações para livrar os países muçulmanos de qualquer influência estrangeira.

O Estado Islâmico

Atualmente existem vários grupos jihadistas que atuam em várias partes do mundo, como Estado Islâmico, Al-Qaeda, Boko Haram, Al-Shabbab e outros. O grupo jihadista de maior atuação e com mais visibilidade nos dias atuais é o Estado Islâmico (EI) e por isso vamos nos ater a ele.
O Estado Islâmico é uma organização ditatorial-militar-burguesa, que tem um programa reacionário e teocrático, onde as leis são baseadas na deturpação das escrituras islâmicas pelo “Califa” Abu Bakr Al-Baghdadi. O EI cresceu na perspectiva de construir um “Califado” com base na conquista de territórios na Síria e no Iraque, mas também, no Oriente Médio e no Norte da África, com intuito de se apoderar de vastas regiões e dominar suas riquezas, muito além do propalado objetivo jihadista. É uma organização islâmica sunita, é uma ruptura da Al-Qaeda e foi parte da resistência iraquiana contra a invasão de Bush, ou seja, sua origem se deu a partir da atuação do imperialismo europeu e estadunidense na região, que provocou a desestabilização da região e o afloramento dos conflitos sectários entre os povos e as distintas frações religiosas do islamismo. Mas também teve forte contribuição dos governos regionais, ora por financiamento direto das monarquias sunitas dos países do golfo pérsico ou da Turquia, ora pela repressão dos governos teocráticos xiitas, como Irã e o Iraque, sobre as minorias sunitas desses países, o que fez ter um apoio inicial entre os sunitas do Iraque.

As ações do EI também são financiadas a partir da cobrança de impostos da população das cidades que controla, assim como pela venda no mercado “ilegal”, do petróleo (cerca de 1,6 milhões por ano) e de relíquias, oriundas dos patrimônios históricos das civilizações antigas (que tem potencial de alcançar cerca de 100 milhões por ano), entre outras fontes, como sequestros e etc. O Estado Islâmico cresceu, com a aliança com organizações como o Boko Haram e outros pequenos grupos no Oriente Médio e Norte da África passando a atuar em países como Egito e Líbia. Crescimento que foi base para a proclamação do “Califado” Islâmico em 2014.

O “califado” Islâmico e o crescimento das ações terroristas

A proclamação do "califado" foi no dia 29 de junho de 2014, com a conquista da cidade iraquiana de Mossul, uma grande e importante cidade do norte do Iraque, com cerca de 2 milhões de habitantes na época e banhada pelo rio Tigre. Logo depois, com a captura da cidade síria de Raqqa, uma cidade média, de cerca de 200 mil habitantes em 2014, banhada pelo rio Eufrates, o EI passou a ter uma capital para seu “califado”. A partir de então, o EI foi expandindo as fronteiras do “califado” e ganhando influência territorial e política pelo mundo.

O crescimento do territorial do Estado Islâmico, também provocou uma grande leva de ataques terroristas pelo mundo, que vitimaram civis em várias partes do planeta, mas que tem na população que reside nos países de maioria islâmica suas principais vítimas, principalmente na Síria, Iraque, Paquistão, Egito, Líbia, Turquia, Afeganistão, e outros da África e Oriente Médio.

Nos países ocidentais as principais ações jihadistas ocorreram na França. Em 13 de novembro de 2015, uma série de ataques contra bares, restaurantes e uma sala de concertos em Paris deixou ao menos 130 mortos e cerca de 350 feridos. Em 14 de julho de 2016, durante as festividades do Dia da Bastilha, um caminhão avançou sobre uma multidão em Nice, no sul da França, e matou 86 pessoas.
A Turquia é um dos países que mais sofreram com atentados. Um ataque suicida numa festa de casamento, em 20 de agosto de 2016 no sudeste do país, deixou ao menos 54 mortos. Dois meses antes, em 28 de junho, membros do EI realizaram um ataque com bombas no aeroporto de Istambul, onde 45 pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas. Em outubro de 2015, um atentado em uma manifestação contra o governo em Ancara matou mais de 100 pessoas.

Nos seis primeiros meses de 2016, ocorreram 31 ataques terroristas de autoria confirmada. Desses, apenas 3 foram em países do Ocidente, enquanto outros 28 ocorreram espalhados em países como Iraque, Afeganistão, Egito, Líbia e Paquistão. Mais de 904 pessoas morreram só neste ano por conta de ataques coordenados por grupos terroristas fora de países do Ocidente.

O ataque mais grave ocorreu justamente neste mês de julho, no Iraque. Mais de 300 pessoas morreram no dia 3 de julho, com atentados com carros-bomba e explosivos. Uma das ações coordenadas atingiu uma movimentada área comercial do centro da capital iraquiana, que estava repleta de gente devido ao Ramadã, mês de jejum muçulmano. O próprio Estado Islâmico reivindicou o ataque. No Iraque, de janeiro até o mês de julho foram seis ações terroristas no país, deixando centenas de mortos e milhares de feridos.

A queda do “Califado”

Após quase três anos da proclamação do “califado” o EI vem sofrendo uma derrota histórica em suas ambições territoriais. Ocorre a quase um ano, desde outubro de 2016, conflitos pelo controle de Raqqa na Síria e de Mossul no Iraque. Existe a possibilidade concreta da queda de Mossul e Raqqa a qualquer instante, o que poderá selar o destino do Estado Islâmico. Em Mossul restam cerca de 300 militantes do EI no centro histórico, a maioria estrangeiros, que não abrandaram os combates, mas que não terão forças de combate, é questão de dias para Mossul ser totalmente libertada do Estado Islâmico.

Em Raqqa o EI encontra-se completamente cercado, tendo perdido, esta semana, o controle de uma região ao sul do rio Eufrates, cortando assim a última estrada que poderia ser utilizada para se retirar da cidade. O EI perdeu recentemente o controle das cidades de Palmira na Síria, Tikrit, Ramadi, Sinjar e Fallujah e uma grande área perto de Erbil, todos no Iraque, pode perder agora o controle de Mossul, terceira maior cidade do Iraque e o último grande reduto jihadista no Iraque e também sobre Raqqa na Síria, a capital do então "califado". Em 2 anos, o Estado Islâmico perdeu mais da metade da porção territorial que controlava, tendo seu “califado” pulverizado em pouco menos de 1 ano de combates.

Era uma vez o Estado Islâmico? Como “califado territorial”, sim! Como organização jihadista, não!

Apesar da pouca visibilidade dada na mídia, estes conflitos são importantes e podem ditar dinâmicas regionais no oriente médio e no norte da África, assim como no restante do planeta. A recente perda de territórios do EI no Iraque e na Síria, faz esta organização jihadista reacionária, perder seu "califado islâmico", mas faz este grupo partir para outra estratégia que pode gerar ações mais violentas, descentralizadas, mundiais e distantes do seu propalado objetivo de construir um “califado” no Iraque e na Síria, algo que é bastante perigoso a nível mundial. Podemos assistir nos próximos meses a ocorrência de mais atentados em diferentes locais do planeta, pois a metamorfose do EI, faz esta organização viver uma espécie de Al-Qaedização, ou seja, uma organização jihadista que viverá de ataques e atentados, sem nenhuma ambição ou perspectiva territorial.

E quem protagonizará a derrota do EI em Mossul e Raqqa? Muitos grupos (as potências imperialistas, os governos árabes, milícias xiitas e cristãs e os diferentes grupos curdos) querem ser este ator principal e dependendo de quem será, principalmente se for os dois primeiros, nada de bom pode ser esperado para o futuro da resistência dos rebeldes sírios, dos povos do oriente médio e também dos curdos, pois fortalecerá o poder de governos reacionários regionais, como o iraniano de Rohani, o sírio de Assad e o iraquiano da coalizão yankee, além da força política que ganhará na região, figuras como Trump e Putin.

O peso dos curdos nestas batalhas é mais uma vez determinante para o futuro da luta deste povo por sua sonhada autodeterminação nacional, centralmente nas batalhas no Curdistão sírio (Rojava), da mesma forma como foram as heroicas batalhas em Kobane em 2015, onde os curdos derrotaram as hordas do EI.

Ainda há o drama de centenas de milhares de civis, centralmente em Mossul, que estão em meio ao fogo cruzado, onde cerca de 500 mil estão sofrendo com o desabastecimento de água e de comida, o que poderá aumentar o já grande número de refugiados no oriente médio, pois só até dezembro de 2016, cerca de mais de 100 mil civis foram deslocados.


O Estado Islâmico não luta pela libertação dos povos do oriente médio e do norte da África e por isso deve ser derrotado, mas não por uma intervenção militar dos países imperialistas, liderada pelos Estados Unidos, que estará a serviço da estabilização da região para o seu posterior controle político e econômico. Mas, sim por iraquianos (xiitas e sunitas), curdos e rebeldes sírios, numa perspectiva revolucionária de libertação nacional e anti-colonização imperialista.
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Taílson Silva é professor de Geografia da rede pública e militante da Corrente Socialista dos Trabalhadores/PSOL.

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