terça-feira, 26 de abril de 2016

Um capítulo sobre o movimento estudantil na Escola de Teatro e Dança da UFPA

Voz na Cena

por Bernard Freire


De todas as histórias que modificavam o cotidiano da escola, me entreguei a uma que refletia sobre o processo mais importante que fazia tudo funcionar: dirigir um Centro Acadêmico com outros mobilizadores de ideias. Lá abríamos a porta para o diferente: planejávamos a recepção dos calouros, as atividades de consentimento artístico, as contribuições que mantinham em pé a nossa casa, vivíamos de tudo. Junto com outros estudantes arrumávamos os quartos, limpávamos a sala e montávamos a feira diante do público.

Desenvolvíamos bem as atividades que exigiam nossa disciplina de discente dentro da academia. Em alguns casos buscávamos concentrar um grande número de alunos para discuti os problemas existentes em nossa instituição. Tínhamos dificuldade em nos juntarmos com o curso de Dança e os cursos Técnicos que eram em horários diferentes do Teatro. Nossa estratégia era reunir com os representantes de turmas, mas isso complicava um pouco porque a dinâmica que planejávamos nem sempre atingia a todos. Nos concentrávamos em nos politizar primeiramente.

Reunião do CALT e CADAN, gestão Voz na Cena – 2013.

A centralização de nossa categoria estudantil mostrava a nossa contribuição de querer resolver os problemas que enfrentávamos na ETDUFPA. Através da nossa mobilização conseguimos uma sala para o C.A, uma xerox, organizamos encontros estudantis e debatíamos a implementação de um Restaurante Universitário que é o maior problema enfrentado pelos estudantes da escola. Sempre levávamos propostas de solução desse problema para uma direção maior que não abraçava a causa dos estudantes; gritávamos sozinhos. Foi daí para as reuniões de conselho que derramei o leite que trazia da cozinha. Na gestão que dirigi, não conseguir junto aos estudantes, resolver essa parte do problema. Como qualquer instituição, as ordens determinam até onde teus pés podem te levar; a ETDUFPA é como uma segunda casa para os estudantes que passam o dia desenvolvendo atividades que esgotam o corpo.


Nessa vivência, fui compondo versos que dialogavam com os estudantes e passei do eu para todas as outras extensões. Multipliquei fatos que conduzissem uma relação aberta entre cada indivíduo, dando voz às paredes que apenas observavam as histórias pertencentes ao universo da escola de teatro. Sentia-me bem em caminhar pelos quatro cantos e usufruir de cada detalhe, transvendo cada parte que atravessavam os meus sentidos. Ali me desqualifiquei. Parei no tempo e minha energia se desfez pelas gotas que escorriam do teto. Fui buscando pontos de fuga para desenvolver um novo raciocínio daquele espaço. Tudo gritava dentro de mim e as aulas já não faziam mais sentido. A repetição do cotidiano me desgastava e minha falta de paciência em compartilhar minhas noites me bloqueava os pensamentos. Dentro da escola zerei as condições de sobrevivência, fiquei no game over.[1]

O estranho era ver que todos permaneciam de acordo com seus movimentos, porém com a rotina de turmas antecedentes a minha. O espaço se fechou e escureceu as minhas retinas, meus pés enraizavam-se sobre um grão de areia, o ar sufocava-me como gás metano, explodia-me, ocupava-me do nada. Em outros momentos me pertencia ao céu, aglutinando-me ao silêncio movente que desenhava o não visto. Chegava à conclusão de ruptura, de desistência dos passos. Ficar preso trazia um grande conforto de não mover-se, de estar ali apenas para cumprir minha obrigação de discente. Mais que discente seria esse que não produz? Que não se dá nem a intenção de alimentar-se do conhecimento? O teatro me dava mais sede quando eu o descobri, mas a fonte já não me saciava e a ociosidade contemplava meu desempenho durante os semestres. Mesmo tendo a ideia de explorar o vazio, pra onde quer que eu corresse, me sentiria como se ainda estivesse a fazer o mesmo de sempre, sem avançar a um outro entendimento do espaço daquela escola. Precisava perfurar as camadas que encobriam a minha pele. Olhar além do olho da máscara.

Eu canso quando o som ao redor se expandi dentro de mim. Mostro ausência de sensatez e me cubro de metáforas aglutinadas na minha imaginação. Busco um revés que modifica os estreitos caminhos oblíquos da rotina. Paro. Sufoco em pensamentos. Desabo em poeira soltas que invadem minha retina. São tempos rápidos e o entendimento dessa situação gera um caos nos poros que aniquilam o individuo. Tudo é confuso. Bagunça encaixotada. Energia esquálida derradeira. Movo, prendo-me a mim mesmo. Observo o andamento das paredes e caio no chão que sustenta o mundo. Tudo é frenético. Ausência de motivação. Grito escorado nas cordas vocais. Vazio cintilante que acompanha a rotina. Circulação interrompida pelo espaço. Olho de dentro e não enxergo nada. Tudo é fato. Choro trancado. Batimentos que soltam os brilhos invisíveis. Palma. Estabilidade caminhante. Encadeamento imóvel. Até aqui o silêncio busca um confronto com ele mesmo. Por de trás, visões incandescentes que te sustentam na linha cotidiana. Fluxo de sentimentos. Pedaços embrulhados num lencinho de papel. Ar codificado de gases. Movimentação psicodélica. Tudo é misturado, andamento retardado, choque de explosão do intestino. Postagem: Rosácea das forças[2] (Blog Corpo Palavra, 01/09/2015 - http://goo.gl/tqZnOe).

Desenvolver atividades na escola se tornou mais contribuição coletiva junto aos estudantes do que ter um bom desempenho. Mudar as rotinas me estabelecia certo tipo de dedicação que se evaporava em mim tal qual algodão doce na água. Tinha que escolher entre assistir aula ou me encantar com o mundo artístico oferecido pelo outro lado do muro. Até ali eu só percebia a escola de teatro como universidade. Nada além de um quadrado que me ensinava valores profissionais que um artista deve ter na sua qualificação de cidadão. Eu rompia o elo que meu cérebro desenvolvia com a realidade durante as disciplinas que me despertavam um bom funcionamento das teorias teatrais. No terceiro céu[3] sobrevoava na pequena janela para equilibrar o silêncio que escapava quando um olhar me dirigia e me fazia buscar no ar uma explicação sobre aquele magnífico espaço que tomou conta do meu ser durante esses anos de curso.

Como um balão levantando voo, redobrava as voltas no quarteirão e desenvolvia um novo olhar sobre o entendimento do espaço. O curso me ensinava formas de sobreviver; de investir em conhecimento e desbravar as fronteiras que me aglutinavam os pensamentos.  A vontade de sobreviver me distanciava do portão; caminhar acordavam meus pés e pude reler em mim a extensão de um olhar que observava sem ser visto. Ultrapassei o muro da escola, da universidade e fui produzindo novos registros de aprendizado:

Carrego a minha mochila. Topo. Tudo bagunça. Volto e recomeço. Descanso o corpo para a mente poder acompanhar. Respiro, solto sufoco. Amo, renasço. O teatro sempre me mostra um bom ponto para recomeçar e descobrir como é que se conquista. Penso muita coisa, quase tudo. E o que me sobra no pensamento compartilho para os outros terem um pouco de mim. Postagem: Congratulações (Blog Corpo Palavra 30/03/2015 - http://goo.gl/KWXpNt).










[1] Game over significa fim de jogo, onde game significa jogo e over fim. A expressão é muito utilizada para jogos de vídeo game, computador, jogos online e etc., e aparece sempre que a pessoa chega ao fim do jogo ou acabou de perder.
[2] Rosácea das forças: "trata-se de um espaço direcional adaptável a todos os movimentos do homem, sejam eles físicos ou psicológicos, um simples movimento do braço ou uma paixão devoradora, um gesto da cabeça ou desejo profundo, tudo nos leva ao 'empurrar / puxar'". (O corpo poético - Jacques Lecoq, 2010).
[3] Terceiro andar do prédio da ETDUFPA onde fica localizada a sala da direção geral da escola.

Continue lendo no blog do autor: http://www.corpopalavra.com/2016/04/voz-na-cena.html
Bernard Freire é estudante de licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Pará. 

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